Testamento vital. Até ao fim do ano, médicos terão acesso informático à última vontade dos doentes.

19-09-2012 22:47

     

            “Não vou admitir que outros decidam sobre a minha morte” (Jornal Expresso, 15 de setembro de 2012, pp. 24, 25)

            O prolongamento artificial da vida não pode ser confundido, de forma genérica, com a eutanásia ou o suicídio assistido. Trata-se de uma pessoa definir até onde quer que a medicina e os meios técnicos sejam usados para manter a vida, quando o organismo por si próprio já não tem oferece as mínimas condições de sobrevivência e de qualidade de vida. Segundo uma das pessoas entrevistadas “não quero ser submetido a nenhum tratamento que o bom senso entenda como desumano e que me prolongue a vida de forma inútil”.

            Esta decisão sobre o momento em que tal acontece não deve ser nada fácil e aplicada de forma ligeira poderá conduzir a situações muito discutíveis. Tanto quanto sabemos existem situações em que este prolongamento é efetivamente inútil, francamente artificial e despropositado. Mas também uma abordagem simplista acabará por dar à eutanásia um outro rótulo contornando o valor da vida humana. Até onde é que uma pessoa pode ou não decidir que quer ser socorrida pela intervenção médica?

            Interessante paradoxo de uma sociedade que coloca na ciência as suas expetativas para o prolongamento da vida, e que nega à ciência essa mesma intervenção, deixando na decisão pessoal uma morte mais rápida, limitando no tempo o sofrimento e as capacidades da ação médica.

            Como deveremos agir como cristãos? Que posição assumir? O testamento vital é legítimo?

            Trata-se de uma questão de consciência individual sempre balizada pelo princípio de que Deus é o autor da vida, que só Ele tem o direito de decidir sobre ela e que a capacidade concedida aos médicos deve servir para possibilitar qualidade de vida e minimizar os sofrimentos através dos cuidados paliativos. Admitimos que existem casos em que a ação médica já vai para além do que é razoável, embora o ponto em que tal acontece é difícil de estabelecer com precisão.

            Parece-nos admissível que um cristão possa decidir até que ponto os cuidados médicos podem ir, mas essa decisão deve ser ponderada de modo a que não ponha em causa o princípio de que só Deus dá a vida e nos retira do seu percurso terreno. Nós sabemos que morrendo estaremos com o Senhor para sempre. Mas tal não nos dá o direito de “fugir” da vida presente e dos sofrimentos que ela comporta, em virtude da nossa condição pecaminosa.

            “Então saiu Satanás da presença do Senhor, e feriu a Jó de tumores malignos, desde a planta do pé até ao alto da cabeça. Jó sentado em cinza, tomou um caco para com ele raspar-se. Então sua mulher lhe disse: Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus, e morre. Mas ele lhe respondeu: Falas como qualquer doida; temos recebido o bem de Deus, e não receberíamos também o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios.” (Jó 2:7-10 – tradução João Ferreira de Almeida, revista e atualizada no Brasil)